segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

UMA PESTANA


Uai! Sô. Trem danado é o tar de sono. Mas tombém nunca tinha feito uma viagem longa.
A saída ia sê lá pelas dez da noite. Antonce, cumo sou mineiro e cumo mineiro num perde o trem, fiz questão de chegá lá donde dá a partida, mais cedo. Eles chamam aquilo de rodoviária. É isso mermo, rodoviária. Cheguei pur lá ainda dava de marcá num relógio grande, dipindurado no teto da istação, umas nove horas mais ou meno.
Antonce cumo já lá ia dizendo, o ônibus ia saí lá pelas dez, e cumo tinha chegado às nove horas, de modo que sentei num banco pur ali. Fiz um pito de paia, pitei. A danada da hora num passava...Teve um momento que cumecei a dá umas pescadas. Paricia que o sono tava dando de querê tomá conta de mim.
Foi aí que tudo cumeçou. Logo veio um guarda, deu uma catucada dibaixo do meu braço e perguntou:
- O Sinhô vai viajá?
Antonce eu arrespundi:
- Uai! Vou. O trem já foi? Quer dizê o ônibus já foi, seu guarda?
Cum toda gentileza o guarda arreparou ieu de baixo im cima e adiantou:
- Não. Mas tá quase na hora. Vê se num cochila.
Num demorou muito, dei de iscutá, “Senhores passageiros com destino a Capital dirijam-se à plataforma de embarque”.
Aquele sono qui dava de dirrubá inté cavalo im pé, diluiu todo. Fiquei ispantado. Peguei meus apetrechos, saí arreparando aonde tava o onibus Xarilú, o que ia para a capital, ieu qui num sou de muitas letras, quase qui ia perdendo o danado se não fosse um vendedô de água na garrafa que passava pur ali. Foi só perguntá e ele deu a informação.
Antonce, já sentado naquela portrona macia. O motor do carro já roncando. Iscutei: “Senhores passageiros com destino a capital tomem seus lugares. É hora da partida. Boa viagem!”.
A lotação num s’tava completa, não. De forma que busquei incostá na janela, pra mode tomá um arzim na cara quando desse de querê injuá. Só senti mermo foram os primeiros solavancos, o resto foi na maciota.
Fiquei a oiá os postes de luz passando, as casas tombém. Num demorou muito já havia pegado a istrada. Tudo ficou iscuro.
Rodemo assim coisa de mais ou menos meia hora, meus zoi cumeçou a pesá. Antonce dei de tirá aqueas pescada parecendo cavalo vei. Trem danado é o tar de sono. Guando vem, vem dirrepente.
A viagem foi se dando. De veiz inquando um farol batia nos meus zói, antonce ieu tomava aquê susto, mas virava pru outro lado e pronto.
Já tava lá pela metade do caminho, quando sentou de meu lado uma loira, toda cherosa, cum um sorriso parecendo meia lua, arvo como a brancura do dia nevoso.
Ieu fui arredando... Arredando... Tudo pra mode num incostá nos braço dela, mais oia só, sem falá uma palavra, a danada lançou o braço im cima de minha perna e foi descendo e subindo, descendo e subindo.
Uai? O quê qui ieu fiz? Cumo num sou bobo de todo, fui deixando a cabeça cair pru lado do ombro daquela gostosona, assim cumo quem tava drumindo.
Se ela tava gostando? Acho qui sim. Num falou nada. Nadica de nada.
O ônibus fez umas duas a três paradas, mais cumo aquilo tava ficando cada fez mais quente, num desci ni ninhuma, não.
Fiquei cum medo mermo foi do cobradô, o home qui confere as passage. Fiquei cum medo de qui ele visse a gente naquele rela-rela e dispois querê dá de descê a gente no meio do caminho.
Pur sorte minha e daquela loirona, ele ficou lá na frente junto cum o motorista.
A gente foi intão daquele jeito. Só o qui ieu tava achando ingraçado é qui a danada da loirona num dava uma palavra. Mais qui tava gostoso, tava.
Quiria qui aquela viagem num acabasse nunca mais. Aquê ar gostoso saindo da boca dela ia se misturando com o perfume ispaiado pelo corpo. Mas agora, num sei o qui aquela muié quiria cumigo! Vei cumo sou e ainda pur cima cum cheiro de pito de paia e pó rapé, sei não. Será o que qui aquela muié viu neste caipirão aqui? Teve hora qui fiquei mei cismado cum aquilo. Antonce nesta hora de cisma tomava aquê susto, mas era um susto passagero.
Aquilo foi indo a viagem inteira. A viagem que demorou coisa de umas oito horas. De maneira que já raindo o dia, já quase chegando na capital, num percebi mais a presença daquela muierona perto di mim, não.  O perfume dela já tinha ido tombém.
Antonce vai qui daí mais ou menos umas duas horas o ônibus tava incostando na istação da capital. Só havia percebido qui tinha chegado pur quê deu aquê solavanco cumo na saída qui inté quase qui bati a cabeça naquês ferro. Aí foi que dei pur alívio e aliviado. Aquela loirona tava sentada perto de mim não.
      Era tudo sonho. Tudo um sonho

 JOÃO E. SÁ

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